Nenhum rio separa, antes costura os destinos dos viventes.
Mia Couto
Eu não sou eu nem sou o outro,
Sou qualquer coisa de intermédio:
Pilar da ponte de tédio
Que vai de mim para o Outro.
Mário de Sá-Carneiro
”PONTOS” parte de uma tentativa (im)possível de aproximação entre margens por meio de visões que se entrecruzam. Um processo de alteridade entre perspectivas simetricamente opostas, numa tentativa gradual de (auto)reflexão, que dará lugar a uma transmutação contínua por parte de um público. De um lado, uma margem A, sempre mais bela vista de uma margem B; de outro lado, uma margem B, local privilegiado para contemplação do seu antípoda. Numa tentativa de construção de pontes, que não é mais do que uma ligação entre pontos, procura-se por meio da palavra ser-se um outro, na (im)possibilidade de sê-lo por completo.
”Que visão tem neste momento a pessoa que não vejo, mas que sei estar do outro lado?”
”Com que olhos descreveria eu a minha margem, de um lado que sinto não ser possível alcançar?”
Se partirmos da ideia de que uma linha recta, no limite, apresenta-se com características idênticas às de uma linha circular, aproximação e afastamento acabam por revelar um paradoxo. Como num círculo, nos movimentos de forças contrastantes apresentadas pelo movimento circular, também o caminho numa ponte é feito de oposições similares: ponto A desce quando ponto B sobe, ponto B desce enquanto ponto A sobe. Neste sentido, também duas margens podem constituir-se enquanto relação indissociável entre dois pontos de um mesmo percurso.
Com o propósito central de pensar as noções de aproximação e de afastamento a partir de uma ideia de circularidade, "PONTOS" apresenta como base de criação um processo de escrita colaborativa intermedial composto por diferentes fases de concretização.
Numa primeira fase, duas pessoas colocam-se em margens simetricamente opostas, durante o mesmo período de tempo, para elaboração de um texto que desenhe a perspectiva de um “outro que me vê” (sujeito A pensa margem A, assumindo perspectiva de sujeito B posicionado em margem B; sujeito B pensa margem B, assumindo perspectiva de sujeito A posicionado em margem A).
Numa segunda fase, os quatro textos unidos pelo tempo e separados pelo espaço, e resultantes do anterior processo de alteridade, são sujeitos a uma combinação sintáctica com recurso a software computacional.
Por fim, numa terceira fase, o leitor é convidado a entrar num jogo de recombinação textual, num processo contínuo de construção/destruição de pontes entre margens.
Numa concretização do texto poético enquanto tentativa constante de criação de pontes entre palavras, e numa partilha intermedial de processos que, apesar de distintos, se ligam entre si, "PONTOS" é, em suma, este caminho que tem de ser feito para que se crie uma imagem possível de aproximação, ainda que esse caminho signifique deixar para trás uma das margens.
Agradecimentos: Ana García Iglesias, Bruno Ministro, Festival PLUNC, Ricardo Proença, Ricardo Soares.